Impactos da Reforma Tributária e ITCMD: o que muda no Planejamento Patrimonial e Sucessório?

A Reforma Tributária aprovada pela Emenda Constitucional nº 132/2023 (EC 132/23) não impactou apenas a tributação sobre o consumo. Algumas mudanças significativas alcançam o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD, ITD ou ITCD) e afetam diretamente os planejamentos patrimoniais e sucessórios.

A regulamentação das mudanças no ITCMD consta do Projeto de Lei Complementar nº 108/2024 (PLP 108/2024, Livro II, Artigos 163 e seguintes), aprovado na Câmara dos Deputados e atualmente em tramitação no Senado Federal. O texto do PLP 108/2024 visa uniformizar e harmonizar a disciplina do ITCMD, que pode variar bastante na legislação dos Estados e do Distrito Federal, competentes para sua instituição e exigência.

Os impactos da nova regulamentação do ITCMD dependerão de cada caso concreto, mas destacamos, a seguir, 7 mudanças disciplinadas no PLP 108/2024:

  • Fato Gerador (Art. 164)

    O ITCMD incide na doação de bens móveis e imóveis, direitos ou valores entre pessoas vivas, e na transmissão causa mortis de bens móveis e imóveis, direitos ou valores, por herança ou legado.

    O PLP 108/2024 equipara à doação a transmissão entre pessoas vinculadas declarada como onerosa, caso não haja comprovação de capacidade financeira para aquisição do bem ou direito; o mesmo ocorre no perdão de dívida por liberalidade e sem justificativa negocial passível de comprovação.

    São consideradas pessoas vinculadas cônjuge, companheiro ou parente até o 3º grau; pessoa jurídica que tenha como diretor ou administrador cônjuge, companheiro ou parente até o 3º grau de sucessor ou donatário; e pessoa jurídica em relação à pessoa física sócia, titular ou quotista[JF1] . 

    • Imunidade: Instituições sem Fins Lucrativos (Arts. 165 a 168)

    O PLP 108/2024 disciplina a imunidade do ITCMD em doações recebidas e feitas por instituições sem fins lucrativos com finalidade de relevância pública e social, introduzida pela EC 132/2023.

    O processo para reconhecimento da imunidade será disciplinado por cada Estado e pelo Distrito Federal, mas será exigida, em qualquer hipótese, a comprovação de vinculação das doações aos objetivos sociais e de cumprimento dos requisitos gerais para gozo de imunidades tributárias previstos no Código Tributário Nacional (Art. 14). Dentre os requisitos, estão a não distribuição de qualquer parcela do patrimônio ou renda e a aplicação integral dos recursos na manutenção dos objetivos institucionais.

    • Momento da Ocorrência do Fato Gerador. Impactos nos Trusts (Arts. 169 a 172)

    A definição de trust para fins de incidência do ITCMD é a mesma prevista para o imposto de renda, e as regras que lhe são aplicáveis valem se estendem aos contratos no exterior e aos contratos de fidúcia no Brasil com características semelhantes.

    Os bens e direitos objeto de trust no exterior permanecem sob a titularidade do instituidor até o momento da sua distribuição ao beneficiário ou do falecimento do instituidor, o que ocorrer primeiro, sendo devido o ITCMD nesse momento. Se o instituidor abdicar do direito sobre parcela do patrimônio do trust de forma irrevogável, a incidência poderá ocorrer antes.

    • Base de Cálculo: Valor de Mercado do Bem (Arts. 173 a 177)

    A base de cálculo do ITCMD passará a ser o valor de mercado do bem transmitido, o que pode aumentar significativamente o imposto devido quando comparado ao cálculo com base no valor venal de referência ou do IPTU.

    Nas transmissões de participações societárias negociadas em mercados organizados de valores mobiliários, a base de cálculo corresponderá à cotação de fechamento do dia anterior da avaliação.

    Para as demais participações societárias, inclusive aqueles sem negociação ativa há mais de 90 dias, o PLP 168/2024 prevê que o ITCMD será calculado com base em metodologia idônea e adequada às quotas e ações, e corresponderá, no mínimo, ao patrimônio líquido ajustado pela avaliação dos ativos e passivos a valor de mercado, acrescido do valor de mercado do fundo de comércio.

    Essa metodologia de cálculo – que não mais considera o valor patrimonial, mas o valor de mercado dos ativos – atende a um pleito dos fiscos estaduais e sua previsão em lei pode impactar substancialmente o valor do imposto devido no caso de empresas com ativos subavaliados em sua contabilidade, como holdings patrimoniais imobiliárias.

    A referência ao uso de ‘metodologia tecnicamente idônea e adequada’ também gera certa insegurança, pois amplia as ferramentas de avaliação para levar ao chamado ‘valor justo’ das ações e quotas, que pode ser alcançado com diferentes técnicas, como o fluxo de caixa descontado ou os múltiplos de mercado. Embora habituais em operações societárias, essas técnicas de avaliação podem considerar muitas variáveis, como fatores de risco, custos e despesas, ativos intangíveis, e patentes de novas tecnologias, sem histórico de utilização pelos fiscos.

    Uma mudança positiva, por outro lado, é a possibilidade de deduzir da base do ITCMD as dívidas do falecido cuja origem, autenticidade e preexistência sejam comprovadas.

    • Alíquotas Progressivas. Tributação Máxima de Grandes Patrimônios (Art. 178)

    O PLP 108/2024 prevê que as alíquotas do ITCMD serão progressivas com base no valor do bem ou direito transmitido. Embora a tributação progressiva já seja adotada por alguns Estados, inclusive com base em outros critérios além do valor do bem ou direito, a mudança pode trazer um impacto significativo nos Estados que adotam alíquota fixa, como São Paulo, Minas Gerais e Paraná.

    Os chamados ‘grandes patrimônios’, como vierem a ser definidos na legislação estadual ou distrital, serão tributados com base na alíquota máxima, atualmente fixada em 8%. Embora exista uma proposta legislativa antiga para elevar a alíquota máxima do ITCMD para 16% (Projeto de Resolução Senado nº 57/2019), sua tramitação ainda depende de designação de relator.

    • Sujeito Passivo. Responsabilidade Solidária (Arts. 179 a 181)

    Além de indicar o sucessor e o donatário como contribuintes do ITCMD – na transmissão causa mortis e na doação, respectivamente – o PLP 108/2024 relaciona os terceiros que podem ser responsabilizados solidariamente pelo recolhimento do imposto, incluindo o doador, o espólio, os notários, a instituição financeira e todo aquele a quem couber a administração, a custódia e o registro de bem móvel ou imóvel e respectivos direitos objeto de transmissão, o cessionário e a pessoa física ou jurídica que contribuir para a ocultação ou dissimulação da transmissão causa mortis ou doação.

    • Sujeito Ativo. Bens e Partes no Exterior (Arts. 182 a 184)

    O PLP 108/2024 assim disciplina a competência para instituir e cobrar o ITCMD:

    1. Bens imóveis e respectivos direitos:

    a.1. no Brasil → Estado/DF onde situado o bem, ou a maior parte dele;

    a.2. no exterior:

    a.1. na transmissão causa mortis:

    • Estado/DF de domicílio de cujus, se domiciliado no Brasil (com efeitos no local do processamento do inventário ou arrolamento, não mais passível de livre escolha); ou
    • Estado/DF de domicílio do sucessor, se o de cujus for domiciliado no exterior.

    a.2. na doação:

    • Estado/DF de domicílio do doador, se domiciliado no Brasil; ou
    • Estado/DF de domicílio do donatário, se o doador for domiciliado no exterior.
    • Todas as partes domiciliadas no exterior → Estado/DF onde localizado o bem ou o direito

    Uma novidade importante se refere à incidência do ITCMD na transmissão não onerosa de participação societária não negociada em mercado, cujo ativo próprio ou de sua controlada seja composto majoritariamente de bens imóveis. Ainda que se trate de transmissão de bem móvel, o ITCMD não mais será devido ao Estado de domicílio do sucessor ou donatário, mas a cada Estado em que situados os bens imóveis, proporcionalmente.

    A previsão é de que o PLP 108/2024 seja votado no Senado ainda no primeiro semestre de 2025. Se houver alterações no texto, o projeto retornará à Câmara para nova votação antes da sanção presidencial. Para que as novas regras passem a valer em 2026, os Estados e o Distrito Federal deverão adequar as suas legislações até o final de 2025, após a publicação da lei complementar que resultar do PLP 108/2024.

    Nossa equipe tributária está à disposição para tirar quaisquer dúvidas sobre o tema, inclusive pelo e-mail tributario@lbm-legal.com.br.


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